"[...]
No escuro, finalmente, alguma coisa começava a acontecer. Uma voz cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde vinha. Parecia vir de todas as direções, e Digory chegou a pensar que vinha do fundo da terra. Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais belo som que ele já ouvira. Tão bonito que chegava a ser quase insuportável. [...]
– Meu Deus! – exclamou o cocheiro. – Não é uma beleza?
E duas coisas maravilhosas aconteceram ao mesmo tempo.
Uma: outras vozes reuniram-se à primeira, e era impossível contá-las. Vozes harmonizadas à primeira, mais agudas, vibrantes, argênteas.
Outra: a escuridão em cima cintilava de estrelas. Elas não chegaram devagar, uma por uma, como fazem nas noites de verão. Um momento antes, nada havia lá em cima, só a escuridão; num segundo, milhares e milhares de pontos de luz saltaram, estrelas isoladas, constelações, planetas, muito mais reluzentes e maiores do que em nosso mundo. Não havia nuvens. As novas estrelas e as novas vozes surgiram exatamente ao mesmo tempo. Se você tivesse visto e ouvido aquilo, tal como Digory, teria tido a certeza de que eram as estrelas que estavam cantando e que fora a Primeira Voz, a voz profunda, que as fizera aparecer e cantar.
– Louvado seja! – disse o cocheiro. – Se eu soubesse que existiam coisas assim, teria sido um homem muito melhor.
A Voz na terra estava agora mais alta e triunfante, mas as vozes no céu, depois de entoar com ela por algum tempo, tornaram-se mais suaves.
[...]
O céu do oriente passou de branco para rosa, e de rosa para dourado. A voz subiu, subiu, até que todo o ar vibrou com ela. E quando atingiu o mais potente e glorioso som que já havia produzido, o sol nasceu.
Digory nunca tinha visto um sol daqueles. O sol sobre as ruínas de Charn parecera mais velho do que o nosso, mas este parecia mais jovem. Tinha-se a impressão de que ele ria de alegria enquanto ia subindo. E, quando seus raios cobriram a terra, os viajantes puderam verificar em que lugar estavam. Tratava-se de um vale através do qual serpenteava um grande e caudaloso rio, que corria para o leste, na direção do sol. Ao norte, colinas suaves; ao sul, montanhas altas. Mas era um vale apenas de terra, rocha e água; não havia uma única árvore, arbusto ou folhinha de capim.
A terra tinha muitas cores – cores novas, quentes e brilhantes, que faziam a gente exaltar... Até que se visse o próprio Cantor. Então, todo o resto seria esquecido.
Era um Leão. Enorme, peludo e luminoso, ele estava de frente para o sol que nascia. Com a boca aberta em pleno canto, ali estava ele, a menos de trezentos metros de distância.
[...]
– Bico calado, todo mundo! – clamou o cocheiro. – Quero ouvir a música.
Pois a canção agora era outra.
[...]
O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, cantando a nova canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante. A medida que caminhava e cantava, o vale ia ficando verde de capim. O capim se espalhava desde onde estava o Leão, como uma força, e subia pelas encostas dos pequenos montes como uma onda. Em poucos minutos deslizava pelas vertentes mais baixas das montanhas distantes, suavizando cada vez mais aquele mundo novo. Podia-se ouvir a brisa encrespando a relva.
[...]
Havia mesmo muito para ver e ouvir. A árvore que Digory notara em primeiro lugar já se tornara adulta, com os galhos balançando levemente, e eles pisavam agora numa relva macia, salpicada de margaridas e botões-de-ouro. Mais adiante, ao longo da margem do rio, cresciam salgueiros. Do outro lado, fechavam-se sobre eles emaranhados de arbustos de groselha floridos, lilases, rosas silvestres e azaléias. O cavalo fartava-se de relva nova.
Todo esse tempo, prosseguiam a canção do Leão e seu majestoso caminhar, de um lado para outro, para a frente e para trás. Aproximava-se mais e mais, o que era meio alarmante. Polly achava a canção cada vez mais interessante, pois começara a perceber uma ligação entre a música e as coisas que iam acontecendo. Quando uma fileira de abetos saltou a uns cem metros dali, sentiu que os mesmos estavam ligados a uma série de notas profundas e longas que o Leão cantara um segundo antes. Quando ele entoou uma seqüência de notas rápidas e mais altas, não ficou nada surpresa ao ver primaveras surgindo por todos os cantos. Com um indescritível frêmito, teve quase certeza de que todas as coisas (como disse mais tarde) 'saíam da cabeça do Leão'. Ouvir a canção era ouvir as coisas que ele estava criando: olhava-se em volta, e elas estavam lá. Era tão emocionante que Polly nem teve tempo de sentir medo. Mas Digory e o cocheiro ficaram um tanto nervosos com a aproximação do Leão. Quanto ao tio André, seus dentes estalejavam, mas, como seus joelhos tremiam demais, não saiu do lugar.
[...]
Pela primeira vez, o Leão ficou em total silêncio, indo e vindo entre os animais. Aqui e ali aproximava-se de dois deles (sempre dois de cada vez) e tocava-lhes os focinhos com o seu. Escolhia dois castores dentre todos os castores; dois leopardos dentre todos os outros; e deixava os demais. Algumas espécies não foram tocadas. Os pares tocados imediatamente abandonavam os outros e seguiam o Leão. Este finalmente ficou imóvel. Todas as criaturas tocadas por ele aproximaram-se e formaram um círculo ao seu redor. Os outros começaram a dispersar-se. Os bichos eleitos ficaram em completo silêncio, todos com os olhos fixos no Leão. Só os felinos uma vez ou outra davam uma rabanada.
[...]
[...] A voz mais profunda e selvagem que jamais haviam escutado estava dizendo:
– Nárnia, Nárnia, desperte! Ame! Pense! Fale! Que as árvores caminhem! Que os animais falem! Que as águas sejam divinas!
[...]
Das árvores surgiram criaturas selvagens, deuses e deusas da floresta; chegaram com eles os faunos, os sátiros e os anões. Das águas saíram o deus do rio com suas filhas, as náiades. E todos eles e todos os animais, com suas vozes diversas, graves ou estridentes, roucas ou claras, replicaram:
– Salve, Aslam! Ouvimos e obedecemos. Estamos despertos. Amamos. Pensamos. Falamos. Sabemos.
[...]"
Passagens do livro As Crônicas de Nárnia, relativas à criação de Nárnia
C. S. Lewis
(1898-1963)
Artista: Phatpuppyart-Studios
Título: Nárnia
© Phatpuppy Art Studios - All rights reserved to the artist
Músicas do dia
As Crônicas de Nárnia - Tema principal
Compositor: Harry Gregson-Williams
Versão para piano de Patrik Pietschmann:
Na descrição do vídeo:
"Alguns de vocês pediram, agora vocês entendem. 'The Chronicles of Narnia' de Harry Gregson-Williams é definitivamente uma das minhas trilhas sonoras favoritas. Esse arranjo é baseado em três temas de faixas diferentes, então, mais precisamente, é um medley:
- Tema A (00:00 - 00:41): 'Evacuando Londres' / 'Apenas o início da aventura'
- Tema B (00:41 - 01:22): 'O guarda-roupa' / 'Lucy encontra o sr. Tumnus' / 'Para o Campo de Aslan'
- Tema C (01:22): 'Para o Campo de Aslan' / 'Apenas o começo da aventura' / 'A batalha'
O tema C é provavelmente o tema mais popular da trilha sonora e também poderia ser chamado de tema principal."
Vídeo postado por: Patrik Pietschmann
© All rights reserved
&
As Crônicas de Nárnia | 5 horas de músicas relaxantes & imagens e sons da floresta no inverno:
Músicas:
O guarda-roupa
Lucy encontra o sr. Tumnus
Pai Natal
Compositor: Harry Gregson-Williams
Vídeo postado por: Ambient Worlds
© All rights reserved
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É muito gostoso ler o que você escreve....eu viajo nas histórias....E já ouvi uma boa parte das músicas relaxantes, me faz muito bem....obrigada sempre.
ResponderExcluirBom fim de semana.
Obrigada, querida! Me alegra que tenha gostado! Eu acho lindas essas passagens do livro (na verdade, não só as citadas acima:)... Em especial, estas: "A voz subiu, subiu, até que todo o ar vibrou com ela. E quando atingiu o mais potente e glorioso som que já havia produzido, o sol nasceu." & "Com um indescritível frêmito, teve quase certeza de que todas as coisas (como disse mais tarde) 'saíam da cabeça do Leão'. Ouvir a canção era ouvir as coisas que ele estava criando: olhava-se em volta, e elas estavam lá." Um lembrete para os adultos, uma lição para as crianças (sutil, porém profunda), de que tudo começa na mente, inclusive a criação de um novo mundo. Um mundo diferente deste que conhecemos hoje... com esperança, melhor! A realidade da vida do ser humano hoje é um reflexo dos pensamentos e percepções de cada indivíduo, destas gerações presentes e de incontáveis gerações passadas. Por isso, a mudança que queremos ver tem de começar na mente de cada um. Todos importam!
ExcluirFico maravilhada com os símbolos que C. S. Lewis, com maestria, incluiu em tantas passagens de suas obras! ❤
Uma semana de paz e um grande abraço! 💕
Bárbaro 👏🏼👏🏼👏🏼 São lindas mesmo. Obrigada. Uma linda e abençoada semana🙏🏼💖🤗🌻
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